quinta-feira, 18 de março de 2010

Dançando em Sampa

Cheguei de uma viagem de três dias e duas noites em São Paulo no domingo. Fui e voltei sozinha. Fui participar do primeiro encontro de Dançaterapia do ano no Brasil, que foi especial, ministrado pela própria María Fux, uma senhora dançante e mignone de 88 anos!

Minha viagem começou na sexta de manhã. Era a primeira vez que eu partia para a aventura e deixava meu bebê aos cuidados exclusivos do papai. Desde que comecei minha empreitada caseira, eu só havia me ausentado uma vez, há um ano atrás, por alguns dias para estar com minhas irmãs. Mas daquela vez, carreguei Gabriel comigo e só Nina e João ficaram vivendo suas vidas sem mim! Eu tinha alguns desafios para esta viagem de agora e o mais importante deles era continuar a produzir leite para o meu filho, mesmo estando longe!...

Cheguei à Sampa na hora do almoço, mas não estava nem cansada, nem com fome. Segui de ônibus até o metrô mais próximo e fui direto para a Luz (sim, I saw the LIGHT). Tinha um desejo enorme de conhecer o Museu da Língua Portuguesa e a oportunidade havia chegado. Gostei muito da exposição sobre variedade e preconceito linguístico, eu me senti de volta à sala de aula da UnB, aprendendo sobre nossa língua-mãe. Tive o mesmo sentimento na exposição permanente, contando a trajetória da língua portuguesa, bem como um pouco da história da Mama África e dos Índios daqui. Mas o que mais gostei foi a exposição multimídia "Praça da Língua", um projeto que não tem a intenção de ser uma antologia da língua portuguesa e sim uma celebração dela, com poemas e trechos de livros e músicas diversas, tudo declamado por artisitas escolhidos a dedo: um lindo trabalho! Chorei a bessa durante a apresentação em espaço fechado, com iluminação própria. A gente se senta e fica escutando aquelas palavras, enquanto os olhos viajam pelas estrelas de luz...

Eram quase 4 da tarde e eu estava com muita fome! Atravessei a rua e entrei na Pinacoteca, porque lá tem um café. Almoço suuuper leve e saudável: empada de frango, torta de limão com merengue e capuccino! fiquei ali olhando o Parque da Luz, com suas árvores diferentes (algumas eu nunca tinha visto) e seus visitantes: gente de todo tipo, todo jeito, todo mundo junto, trabalhadores, estudantes, desempregados, moradores de rua e transeuntes como eu, enfim, Sampa, né? Eu também nunca havia entrado naquele prédio lindo, de tijolinho, guardando tanta riqueza lá dentro! Visitei a exposição permanente, as esculturas. Através de um quadro, revi o Museu do Ipiranga ou Museu Paulista, projetado pelo italiano Tommaso Galdenzio Bezzi, pai da minha bisavó, que veio para o Brasil como arquiteto com sua família (daí esse meu nome artístico BEZZI). Também vi a exposição Brasiliana, com gravuras, aquarelas, documentos, livros que fazem parte da nossa história. Pena que ela estava extensa e eu, cansada e com a noite quase caindo. Mas valeu a pena!

Lá fui eu, de mochilão, com a cara e com a coragem andar uma estação de trem até a Barra Funda, mais próxima do meu hotel, segundo o Google. Bom, ainda bem que todos os paulistanos que parei ma rua me ouviram e me ajudaram, senão teria sido mais complicado e cansativo chegar ao meu destino daquela noite... Agradeço! Foi uma longa caminhada de lá até o hotel, que ficava exatamente na frente do estádio do Palmeiras! (E isso eu não vi no Google não, só lá!...). O fato é que cheguei bem cansada, com os peitos duros de pedra de leite. Tomei banho, tirei leite, vi um filminho mamão com açúcar e fui dormir.

Dia seguinte, grande dia! Já no café da manhã, revi algumas colegas do curso de Brasilia e conheci outras. E também a simpática e petite María Fux, acompanhada de Pio Campo e suas companheiras de trabalho italianas, Elisabeta e Julia. Fizemos um pequeno grupo de 7 mulheres e fomos andando até o espaço do curso. Um grupo engraçado, caminhando para o desconhecido, mas almejado: mais uma vivência em dança.

Começamos dançando o Bom Dia, e depois sim e o não, energias opostas, porém complementares, existentes na vida. Foi um trabalho forte, ao som de uma música com baixo e ritmo marcados. Depois, ao som de Bach, dançamos sua atemporalidade, utilizando o espaço disponível, o pequeno e o grande, o alto e o baixo. É engraçado como eu me recordo das músicas. Sempre me considerei uma pessoa de memória visual, mas agora reconheço que minha memória musical é muito forte e presente. O som desse violoncelo está em mim e era essa a proposta: ser o instrumento, tornar-se as cordas desse instrumento que, como a voz humana, pode ser doce e suave, mas também forte e trovejante.

Para fechar a manhã, esta senhora miúda, que já havia ficado de pé quase duas horas e dançado para nós, pediu uma cadeira, sentou-se e nos falou de como as palavras são vivas e que elas próprias já são dança. Acredito que a maioria do grupo foi almoçar no SESC Pompéia, que fica ali perto. Que beleza: assim que você entra, há um enorme banner com as apresentações e atividades do mês naquele SESC. Uma maravilha! Descobrimos que haveria show do Jards Macalé e do Jorge Mautner juntos naquela noite. Puxa, estávamos em São Paulo, fomos até lá para conhecer as raízes da Dançaterapia, com sua própria criadora, mas também queríamos ficar juntas e aproveitar um pouco. Compramos ingressos (eu e mais 5 de Brasília, que estávamos no mesmo hotel) e rimos a valer naquele show divertidíssimo, inteligente e musical!

Voltando ao curso, à tarde, María queria nos falar um pouco mais sobre o dançaterapeuta, para aqueles que fazem ou desejam ingressar na formação. Ela nos mostrou seu mais recente vídeo, filmado em seu estúdio em Buenos Aires. Nós vimos alguns de seus alunos dançando, quebrando suas próprias barreiras (em sua maioria físicas). Havia uma mulher surda, um grupo de adolescentes com Down, um grupo de crianças. Cada um dançando do seu jeito, sentindo de uma forma diferente. E é assim: quando as limitações são visíveis, as pessoas partem para o julgamento e têm dificuldade de lidar com o diferente. Por isso, Dançaterapia! Com ela, entramos nós mesmos em contato direto com nossas próprias limitações, que não são visíveis, mas podem ser muito mais limitadoras do que aquelas que chegam facilmente aos nossos olhos.

Depois, fomos convidados a fechar os olhos e dançar uma voz feminina com uma mão apenas. Mais tarde, deveríamos dançar essa mão e voz no outro. Este trabalho evoluiu com mais espaço e liberdade. De olhos fechados, assegurados pelo chão, dançamos ao som da bela e incompreensível voz, conectando-nos uns aos outros. Não sabíamos quem estava ao nosso redor. Ao mesmo tempo que tocávamos, éramos tocados e assim foi. Por fim, mais uma delícia: dançamos o silêncio em nós mesmos.

No fim do dia, eu estava bem cansada. Meus peitos doíam muito, principalmente o esquerdo. Mas consegui não só refletir sobre aquele dia, como tive a oportunidade de discuti-lo com Lila, minha colega de quarto. Fomos ao show, nos divertimos e eu dormi bem melhor. Domingo de manhã, meu peito esquerdo era quatro vezes o tamanho do direito. Duro! Mas deu para tirar um pouco de leite e dormir na boa. Descansei bem naquela noite.

Dia seguinte, María deixou claro que nós não éramos os mesmos do dia anterior. Pois a vida é assim: fluida. Lembrei-me da filosofia pré-socrática: tudo flui (foi Heráclito quem disse isso?). Hoje entramos em um rio e a água corre. A cada instante, nós nos modificamos como o rio que passa. Amanhã entraremos no mesmo rio, que não será mais o mesmo, tampouco nós mesmos... Estamos em constante mudança, dança, mudança, dança e assim deve ser...

Tive então a vivência mais rica do fim-de-semana. No chão, fomos raízes de plantas aquáticas, fomos plantas aquáticas e rochas do fundo do mar. É isso. Originalmente, somos seres do mar. Fomos gerados dentro de uma barriga que era o próprio mar, a barriga da mãe. Nossa natureza é fluida, mesmo que sejamos rochas e pedras. Elas também estão em constante mudança, apesar da aparente frieza e imobilidade. Senti-me muito viva e grata por estar ali... Para finalizar, retornamos às músicas do dia anterior e ganhamos de presente a "dança livre do amor"! (Sou eu quem diz isso!) Era uma música cantada em italiano, que falava de amor... belíssima!

No fim, eu estava me acabando em lágrimas e suor. O peito esquerdo doía e me fazia lembrar quem eu era, quem eu sou hoje: Maíra, mãe, mulher, minha, de mim mesma. É. Forte assim.

Ainda tive a oportunidade de ver a Paulista. Fomos almoçar no restaurante do MASP. Depois, jornada de volta para casa. Eu estava satisfeita, realizada, porém cansada e não via a hora de abraçar meus amores em casa e oferecer o peito ao Gabriel. E assim foi. Namastê!

Um comentário:

  1. Maíra ser mãe, esposa, do lar etc é maravilhoso... poder dar um tempo disso por tres dias que sejam e ainda viver tudo que viveu, sabendo que todo o seu lar permanece bem, apesar da saudade, é alimentador e perfeito... Parabéns pela saga sampa!
    carinho, Fernanda

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