sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Meninas Castradas

Ontem fui levar o Iuri, que está com 7 meses e 12 dias, para tomar suas vacinas dos 6 meses (atrasadas). Estava eu aguardando no corredor do posto, com meu bebezinho no colo e observando a mãe ao meu lado.

Sua filha parecia do tamanho do meu Biel, devia ter uns três aninho e pouco... Eram 8h30 da manhã e a menina estava com um vestidinho todo arrumado, um bolerinho de crochê, meias e um sapatinho de boneca. Os cabelos estavam arrumados em diversas marias-chiquinhas e a mãe, babando. Até aí tudo bem, pensei eu. O que é que tem a menina sair tão arrumadinha de casa pra tomar vacina? Deixa de ser preconceituosa e coisa e tal, Maíra...

Até que a mãe me pergunta sobre a vacina de sarampo. Eu disse que o meu bebê não iria tomá-la, mas iria tomar outras. Ela disse então que não podia dizer pra filhinha sobre esta vacina, senão ela não ficaria lá de jeito nenhum. Então me lembrei que poucos dias antes, em um shopping daqui, antes de entrarmos no cinema, era dia de campanha de vacina. Eu não sabia desta vacina aí e disse pro Biel que ele iria tomar as gotinhas do Zé Gotinha e coisa e tal. Então a enfermeira me falou da injeção na coxa, era a tal contra o sarampo.

Respirei fundo, olhei para o meu filho e disse que, além das gotinhas na boca, ele iria tomar uma injeção na coxa, que iria doer, mas que eu estaria lá com ele e que depois, a dor passaria. Eu o coloquei no colo, como recomendado pela moça e ela aplicou a injeção. Ele chorou, claro e gritou. Deixei ele chorar o tanto que quis. Após alguns minutos, ele se recuperou (totalmente - será?).

Eu não contei a história do Gabriel pra moça, mas de alguma forma ela introduziu o assunto da injeção para sua filha. A menininha, então, expressando o seu medo, perguntou se poderia chorar na hora. A mãe disse que não, que ela não era um bebezinho. Ela perguntou se poderia ficar no colo e a mãe respondeu que não, que ela já era "moça" e que não precisaria de nada disso. Fiquei prostrada. Como assim, dizer a uma criança de três anos que ela não poderá chorar e se sentir indefesa diante de uma agulha gigantesca perfurando o seu corpinho?

Enfim elas entraram e foram atendidas. No meio tempo, chega outra mãe, mais corpulenta, com outra garotinha do mesmo tamanho da outra. A menina está com uma blusa de malha rosada, uma sainha tipo de brim e uma calça legging azul marinho. Aparentemente, está mais ou menos sabendo que será vacinada. Aí aparecem a primeira mãe com a menininha do vestidinho, chorando muito. E a mãe diz: fulana, já passou, pára de chorar pra não assustar a cicrana, que acabara de chegar. As duas se conheciam da escola.

A pequena da legging azul cochicha algo pra mãe, que diz em voz alta que ela está com medo e que não há razão para isso, que a vacina é rápida, quase não dói, parece um mosquitinho! Esta mãe então pergunta se a "Maria" lavou o rosto da pequena e depois fala em tom de bronca que ela tem que lavar o rosto! Depois, comenta com a outra mãe, quase debochando da filha, sobre sua roupa, que roupa era aquela que ela havia escolhido: rosa, com lilás, com azul marinho? Isso era roupa de "doidinha"! que ela teria que trocar de roupa assim que chegasse em casa. "Roupa de doidinha"? Qual o problema mesmo em combinar essas cores, sendo uma criança tão pequena, aprendendo e curtindo escolher as próprias roupas? A menina estava uma gracinha!...

Minha pergunta é: estamos falando de castração de meninas ou não? Os "não-podes" começam muito, mas muito cedo para as mulheres... Não que os homens não sejam "castrados" pela sociedade também. Mas essas duas mães com suas filhinhas, aparentemente não fizeram nada de "grave", estavam apenas dizendo às suas filhas que elas têm que ser fortes aconteça o que acontecer, que elas não podem chorar, demonstrar fraqueza, medo ou dor, que elas devem prender o choro mesmo que esteja doendo. Eu considero isto muito grave!!! É o mesmo que dizer a elas que se alguém algum dia as violentarem, elas devem ficar caladinhas, aguentar a dor e guardarem o sofrimento para elas mesmas...

E sobre as roupas, então? Desconfio que o conjuntinho da primeira menina tenha sido cuidadosamente escolhido por sua mãe, ela estava vestida "adequadamente" para uma menininha da sua idade; arrumada demais para o Posto de Saúde, é verdade, parecia uma bonequinha, mas "combinando". E a outra, com sua roupa de "doidinha" que deveria ser trocada? Isso pode, isso não pode, isso é certo, isso é errado, isso é de menina, isso é de menino, menina de rosa, menino de azul e a criança vai sendo podada e mais podada até não sobrar mais nada da sua autenticidade infantil e sua autonomia criativa... Socorro!

Quando vamos parar de ditar o que nossos filhos devem fazer? Quando vamos parar de querer controlar tudo, de ver defeito em tudo, de ensinar nossas meninas a serem preconceituosas e submissas às vontades alheias? Até quando vamos dizer aos nossos filhos que eles não podem expressar seus sentimentos, que eles não devem sentir raiva ou medo? Que isso é feio e isso é bonito? Quando estaremos finalmente prontos para aceitá-los como são e dar a eles o espaço que necessitam para aprender a viver respeitando a si mesmos e os outros?

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